Desproteger o lobo não beneficia ninguém

A convivência entre seres humanos e grandes predadores nunca foi uma coisa simples e, em geral, as dificuldades tendem a resolver-se à custa das populações dos segundos. Como resultado, os grandes predadores são uns dos grupos animais que mais viram as suas áreas de distribuição reduzidas, aproximando-se muitas vezes da extinção.

O lobo (Canis lupus) é um exemplo claro do que acontece às espécies que percebemos como negativas. A sua distribuição atual em todo o mundo abrange apenas cerca de 50% da que teve há poucos séculos. A espécie desapareceu da maior parte da Europa, da América do Norte e das zonas mais povoadas da Ásia.

Em Espanha, o lobo está incluído no Listado de Espécies Silvestres em Regime de Proteção Especial (LESPRE), mas no passado dia 23 de abril foi aprovada no Congresso uma proposição de lei, apresentada pelo Grupo Parlamentar Popular, que pretende reduzir o regime de proteção das populações a norte do Douro, incluindo a sua gestão através da caça.

Caminho para a extinção

Em Espanha, havia lobos por todo o lado. No entanto, já há séculos que a pressão humana expulsou a espécie das terras mais produtivas, relegando-a para terrenos acidentados. No século XIX, o lobo já era raro na costa mediterrânica e estava ausente nas zonas mais povoadas.

O declínio da espécie acentuou-se no século XX, com a difusão da estricnina e de outros venenos. Ainda assim, um artigo publicado na revista Montes em 1947 considerava que 18 províncias espanholas estavam “fortemente infectadas” por lobos, e incentivava o extermínio da espécie, repetindo os (supostos) êxitos do Reino Unido ou dos Estados Unidos.

Nessa mesma revista, e apenas um quarto de século mais tarde, outro artigo mostrava o colapso do lobo em Espanha, apontando que “estamos capacitados para exterminar o lobo em poucos anos”. A distribuição da espécie atingiu o seu mínimo ao longo da década de 1970.

O declínio do lobo na Península Ibérica não se agravou mais devido a mudanças na perceção da espécie –em particular, graças a Félix Rodríguez de la Fuente– e nos usos do território (despovoamento), mas provavelmente não devido à proteção legal.

A proteção do lobo

Desde os seus mínimos históricos, o lobo recuperou território, embora tenha ficado em grande medida confinado ao noroeste da Península, ocupando menos de 30% da área que teve no século XIX.

Nas últimas décadas, tanto o número estimado de indivíduos ou grupos como a distribuição geográfica da espécie mantiveram-se praticamente estáveis, em ambos os casos com um crescimento pouco superior a zero. Além disso, neste período ocorreu a extinção da última população a sul da espécie, na Serra Morena oriental.

A proteção chegou através da Diretiva Habitats da União Europeia de 1992, transposta para a legislação espanhola em 1995, que diferenciou a gestão da espécie a norte e a sul do rio Douro, com um regime de proteção mais estrito no segundo caso. Esta diferenciação geográfica só é útil no noroeste ibérico e é um fardo que a gestão da espécie arrastou até 2021.

Nesse ano, o lobo foi incluído no Listado de Espécies Silvestres em Regime de Proteção Especial, igualando-se a proteção do lobo em todo o país, proibindo-se a sua caça e dando um carácter excecional às medidas de controlo da espécie.

Disputas por uma mudança legislativa

Nos últimos anos, houve importantes movimentos políticos para promover o relaxamento das medidas de proteção do lobo. A Comissão Europeia (CE) incentivou este debate, proclamando que a (suposta) concentração de grupos de lobos representa um perigo para o gado e as pessoas. Curiosamente, a Comissão copiou as palavras usadas pela sua presidente, Ursula von der Leyen, depois de uns lobos terem matado um dos seus póneis.

Contra a opinião generalizada no meio científico, em dezembro de 2023, a CE propôs oficialmente mudar o estatuto internacional dos lobos de “estritamente protegido” para “protegido”.

Em Espanha, a discussão tem sido particularmente acesa e centrou-se na inclusão do lobo no LESPRE, que se relaciona com a expansão do lobo, o aumento da sua população e o incremento dos ataques a rebanhos. Parece inverosímil que isto tenha ocorrido desde 2021. O relaxamento da proteção previsto na nova proposição de lei é impulsionado em nome da “(defesa da) pecuária extensiva e da luta contra o desafio demográfico”. Mas o lobo pouco tem a ver com tudo isto.

A pecuária está a afogar-se, mas não por causa do lobo

A pecuária extensiva tem problemas muito importantes que dificultam a sua viabilidade em muitos territórios, tanto nos que têm lobos como naqueles onde a espécie já não existe há décadas.

O mais importante de todos é a competição desigual com a pecuária industrial, que derruba os preços, promove mudanças nos hábitos de consumo e impede as pessoas da pecuária extensiva de viver da sua atividade. A estrutura normativa é tremendamente favorável à produção industrial, por não a diferenciar da extensiva, evitando uma comercialização favorável desta última.

A pecuária industrial obtém esta vantagem insuperável à custa de prejudicar o bem comum em muitos aspetos (uso de energia, poluição) e de um custo enorme em termos de bem-estar animal. Os preços baixíssimos com que coloca os seus produtos no mercado são pagos por todos nós sob a forma de insustentabilidade, perda de serviços ambientais e saúde. E à custa da pecuária extensiva.

Neste contexto, a insistência mediática sobre os ataques ao gado, o seu suposto aumento e a sua incompatibilidade com a pecuária aponta o lobo, como se de um velho conto se tratasse, como o vilão ideal.

No entanto, os danos causados pelo lobo são em grande parte evitáveis com medidas de prevenção e, em geral, compensáveis. E digo em geral porque é muito difícil ter acesso aos dados reais de danos denunciados, avaliados e pagos. Na realidade, todas as explorações pecuárias extensivas, convivam ou não com lobos, perdem indivíduos por predação, muitas vezes por parte de cães que vagueiam descontrolados.

A proposição de lei pretende permitir o abate de lobos como medida de gestão a norte do Douro. Mas não está claro que esse suposto controlo das populações implique menores danos ao gado e atenue o conflito associado. Na verdade, o efeito poderia ser o contrário, devido à desestabilização dos grupos de lobos.

Rumo à recuperação das populações

Os nossos sistemas naturais estão carentes de um elemento-chave se não tiverem lobos. O lobo é fundamental no funcionamento dos ecossistemas, ao controlar as populações de herbívoros e a sua atividade, dando origem ao que se conhece como paisagens do medo. Estes efeitos geram outros em cadeia, que afetam a vegetação, a incidência de doenças e a provisão de alimento para outras espécies.

O nosso objetivo deve ser que o lobo recupere o máximo possível da sua área de distribuição histórica e que tenha populações saudáveis e viáveis nos territórios já ocupados. Para isso, é imprescindível que o lobo não seja o símbolo de uma guerra cultural que apela principalmente a sentimentos e deixa de lado factos, problemas e soluções.

Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation. Leia o original.

The Conversation

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Miguel Clavero Pineda

Biólogo. É investigador principal do CSIC, Estação Biológica de Doñana (EBD-CSIC).